Quem Conta um Conto

9 de agosto de 2017

  Quem sentiu falta dessa coluna que deu o que falar em sua última temporada? Eu não vou mentir, senti muita falta! Então, para matarmos a saudade, hoje teremos uma conto escrito por uma amiga minha e leitora do blog. Meu objetivo com essa coluna é diversificar o conteúdo e mostrar talentos escondidos, e talento essa menina tem de sobra. Tive a oportunidade de ler mais coisas escritas por ela, e são simplesmente incríveis, ela só precisa acreditar mais. Espero que aproveitem esse lindo conto escrito por Carina Andrade.

Foto: Tumblr Vergittettraume

  Quase todas as noites a lua era responsável em ilumina-la por entre as árvores. Os feixes de luz davam um tom excêntrico aos seus longos cachos, que se tornavam um espelho do céu, refletindo algumas estrelas, num azul profundo. Quase todas as noites era a essas estrelas que eu direcionava os meus pedidos, esperando que, por estarem próximas a ela que era o que eu desejava, eles se realizassem de uma vez.

  Foram anos na maior confusão cerebral possível. Era o maior deleite dos meus dias aguardar, dia sim, dia não, ela aparecer no jardim e se direcionar sempre para a mesma árvore e vê-la observar, com o mesmo olhar perdido, o céu tão infinito quanto sua beleza. Algumas vezes chovia, mas ela ia mesmo assim. O frescor da chuva arrepiava levemente seus pelos, fazendo com que as gotas trilhassem caminhos que transformavam-se em labirintos sobre sua pele de ébano, no tom mais lindo que alguém possa imaginar, que reluzia e, de tão bela, me fazia pensar como sobressairia com a minha, tão pálida.

  Ela era tão serena, vez ou outra portava um livro e algum doce, parecia não esperar nada do mundo. Juro que daria tudo que possuo, o pouco que minha mãe não pode dizer “eu paguei, então me pertence”, só para saber o que se passava em sua cabeça. Talvez ela refletisse sobre as guerras, o final da novela das nove ou até mesmo sobre qual cor pintaria suas unhas (ela adorava azul marinho, como o do céu que ela tanto observava), e eu daria o que tivesse para compartilhar tal pensamento.

  Em uma das noites ela demorou, cheguei a achar que não iria aparecer. Após meia hora de espera, meus olhos a encontraram. Os seus estavam marejados e, os vendo mais perdidos que de costume e com tamanha dor, decidi me expor à ela.

  Incrivelmente, enquanto me aproximava, ela não se mostrou surpresa. Soltou apenas um “Achei que nunca criaria coragem de descer para dar um oi” e voltou a olhar pra cima. Provavelmente era possível ouvir meu coração batendo mais que uma escola de samba pelo quarteirão inteiro. Ela sabia que eu existia, ela esperava por mim.

  Ficamos em um silêncio absurdamente acolhedor. Descobri que ela morava no fim da rua, mas já tinha vivido na minha casa assim que chegou ao bairro, por isso o apego com o lugar debaixo da arvore. Conversamos sobre tudo, comidas, animais, filmes, vizinhos, colégio e, finalmente, sobre amor. Ela não acreditava muito no amor. Seus pais eram a representação de amor mais próxima que tinha e eles brigavam sempre que seu pai voltava do trabalho, dia sim, dia não. Esse era o motivo para ela escapar e ir buscar paz. Entendi que ela ia se entregar a calmaria da noite, ia para que em sua cabeça não se passasse nada, e mesmo assim daria tudo que tenho para pensar em nada com ela.

Fiquei sabendo que fui descoberto fazia alguns meses, quando prendi meu dedo na janela enquanto ela ia embora e ela ouviu meu gemido de dor. Estranhamente ela não se incomodou, disse que, da mesma forma que ela se refugiava fitando o céu, eu poderia estar me refugiando fitando ela. Ficamos ali por mais algumas horas e também nos dias, meses e anos seguintes. Ali nos beijamos pela primeira, segunda e muitas outras vezes. Ali, encima da árvore, construímos uma casa remendada, e nela fizemos amor por incontáveis vezes. Ali, observando o céu, planejamos nossas vidas, viagens, compras, filmes pra assistir...Ali, nos tornamos um do outro.

  Os pais dela se separaram, os meus só se mudaram mesmo. A casa virou nossa, juntos com nossa arvore, nosso casebre remendado sob ela e nosso jardim. Sem crianças, não queríamos, mas com nossos cachorros como filhos.

  Ela continua indo observar a noite, dia sim, dia não. Eu a acompanho às vezes, mas gosto de ficar na janela observando seus cabelos, sua pele, suas curvas, seu sorriso bobo ao me ver olhar. Gosto de pensar que eu, mesmo depois do “você e eu” ter virado “nós”, daria tudo da mesma forma que antes para saber o que se passa na cabeça da linda moça com quem eu compartilho minha vida. Fico da janela pensando o quanto sou sortudo por tê-la comigo, em todos os momentos, e por antigamente não ficar olhando enquanto ela observava o céu apenas para me refugiar ou por ser algum maníaco, e sim por já amá-la, da forma mais genuína que se pode amar alguém.

Foto: Tumblr Coffe Froth

  O que acharam desse retorno? Em grande estilo, né? Uma conto lindo digno de destaque. Espero que tenham gostado, e espero que essa coluna possa voltar ao blog com mais frequência. Queria agradecer imensamente a Carina Andrade por me permitir publicar seu conto (ela me enviou dizendo: Para que sua coluna não fique muito tempo em "hiatus" 💖) , por acompanhar o blog e me apoiar em meus projetos. Você não sabe o quanto eu fiquei feliz quando você me enviou esse texto. Significou muito mais do que você imagina.
  Obrigada também a todos os leitores que acompanham a coluna e blog em si. Espero voltar em breve com ela. 
Um grande beijo e boa livroterapia! 

8 comentários

  1. Gente que conto lindo! Quanto lirismo, doçura e amor! Estou encantada! Parabéns Carina pelo maravilhoso texto, acredito que se você publicar um livro fará sucesso com certeza. Já sou sua fã! Beijos

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  2. Esta sua leitora tem um grande talento, e queria muito parabeniza-la. Toda uma escrita envolvente e cativante, com detalhes que traz ao leitor um realidade do momento vivido. Espero ver mais contos como este por aqui nesta coluna.

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  3. Olá, pisa menos Carina! O conto está sensacional e bem intimista, além de ser bem detalhado. Espero ver mais por aqui, beijos.

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  4. O conto realmente é muito lindo! E o final é super fofo! Parabéns Carina, e escreva mais contos assim. Amei esse <3

    Beijos!

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  5. Parabéns Carina, você escreve muito bem mesmo!! Esse foi o primeiro conto seu que eu li, e gostei muito dele. Já estou ansiosa pelos próximos *-*
    Bjss ^^

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  6. Olá.
    Parabéns, Carina, seu conto é muito lindo e bem escrito.
    Admito muito pessoas que tem essa sensibilidade para a escrita.
    Cinthia, ótima coluna, aguardamos mais contos!
    Beijos.

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  7. Olá!
    A pessoa que fez esse texto, conto me fez apaixonar completamente por ele, está de parabéns. Cada palavra, cada frases foi incríveis e com certeza seria uma volta esplendendora, por favor continuei a escrever mais, está maravilhoso!

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  8. Oi! Nem sei o que falar. Simplesmente amei o conto! Eu amo escrever, mas não teria coragem de mostrar para ninguém. Claro que minha escrita não é tão boa quanto a do post hahah Beijos

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